A tragédia no Rio Grande do Sul deixará marcas eternas nas vítimas das enchentes. Até a última atualização, às 9h deste domingo, 12, 446 municípios do estado foram afetados e 143 mortes registradas. No meio da água, as mães encontram no instinto materno a força para salvar os filhos.
Segundo a psicóloga Carla Giugno, o estresse agudo, caracterizado por momentos de extrema tensão por um curto período de tempo, gera, normalmente, uma reação de luta. Ela ainda explica que, nestes momentos, a liberação de hormônios e a ativação de algumas zonas cerebrais impedem o raciocínio correto, garantindo uma resposta imediata.
“Essa resposta rápida é muito eficaz em situações como o aumento das águas. As mães conseguem encontrar forças para arrastar móveis e caminhar embaixo da água carregando seus filhos. Diante de uma situação de proteção aos filhos, o instinto materno é muito forte. Ele ajuda essas mães a conseguirem se manter dentro das suas capacidades para protegê-los”, comentou a profissional.
No Rio Grande do Sul foram incontáveis os casos envolvendo a luta da mãe pelo filho. Paola Goulart Jacques vivenciou um momento que deseja apagar da memória. Ela é mãe da Lívia, de sete anos, e teve que deixar a casa no bairro Humaitá, em Porto Alegre, com uma mochila e um cobertor.
A casa de dois andares, que recém havia comprado com a irmã gêmea, Paula Goulart Jacques, foi tomada pela enchente. Na avenida Ernesto Neugebauet a água chegava no pescoço.
“Eu só consigo pensar que minha filha está bem, está viva. É a única coisa que consigo pensar. É isso que me dá força, que eu só tenho que batalhar por ela e para ela ter uma vida estável, uma vida boa”, disse a mãe.
No abrigo a situação ainda é crítica. A adrenalina diminui e é neste momento que a reação da perda toma conta. Para a psicóloga, a reação pós-traumática dos acontecimentos vivenciados, da perda da casa e dos bens, gera comportamentos e sentimentos difíceis de superar.
“A cada dia elas estão reagindo ao estresse do dia anterior, que se sustenta. Então é muito complicado. É muito difícil para essas mães. Elas precisam encontrar forças para conseguir descansar um pouco, porque muitas vezes a gente fica em estado de alerta tão intenso que a gente sofre de insônia, de falta de apetite, de irritabilidade e desorientação psicológica”.
Mesmo sem adrenalina, o amor materno é capaz de dar forças às mães para garantirem o suporte aos filhos. “Quando a gente está em abrigo, em alojamento, a gente também se sente vulnerável, desprotegido. São várias pessoas que nós não conhecemos, muito próximas. Então, tudo compõe uma situação muito difícil”.
Paola e Paula foram para a casa do chefe de Paula, que não havia sido atingida. Os filhos das duas ficaram na casa avós. Na segunda-feira, dia 6 de maio, as duas foram buscar os filhos e se dirigiram até o abrigo na escola Dorotéia. De lá, foram encaminhadas ao abrigo feminino.
“Lá no outro abrigo eles eram bons com a gente, mas aqui é mais uma segurança para nós e nossos filhos. A Lívia é uma criança muito queridinha, ela vai com todo mundo e esse era meu maior medo. Tinha a ala dos homens e das mulheres, mas no final estávamos usando o banheiro todo mundo junto”, contou Paola.
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A tragédia vivenciada no Rio Grande do Sul fez com as mães perdessem não só as casas, mas documentos, empregos e todas as necessidades básicas que uma família precisa para se manter. A psicóloga vê o futuro com preocupação e garante que as mães precisarão de suporte psicológico e estrutural para reconstruir as vidas e superar os desafios que ainda têm pela frente.
“Atualmente essas famílias se encontram sem nada, sem documento, sem comida, sem alimento e vão precisar começar a trabalhar. Como que essas mães vão fazer? Elas vão ter que alimentar seus filhos depois. Vão sair dos abrigos para onde? Vão trabalhar com o quê?”.