Em meio a uma das praias mais famosas do Brasil e sob a sombra dos maiores arranha-céus da cidade com o metro quadrado mais caro do país, resiste uma cultura centenária: a pesca da tainha. “Eu pesco em Balneário Camboriú a vida toda, desde criança. Meu bisavô trouxe essa cultura pra cá em 1870, quando veio da Alemanha”, lembra Antônio José dos Santos, o Zé, pescador de 73 anos. Ele é o membro mais antigo do Rancho da Selma, que atua na Praia Central na altura da rua 4100.
À espera das tainhas, ele conta com alegria sobre uma época não muito distante, na qual a pesca artesanal ainda não havia sido ofuscada pelo luxo das lanchas, da grandiosidade dos prédios e do consumismo turístico. Aliás, a atividade hoje considerada patrimônio cultural e imaterial de Santa Catarina já era praticada pelos indígenas do litoral catarinenses por volta de 1557.
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Mesmo com título de renome, a pesca artesanal da tainha pode estar ameaçada em Balneário Camboriú segundo os relatos de Zé e seus colegas. Eles apontam o alargamento da Praia Central e a falta de fiscalização do tráfego de embarcações na costa como as principais causas para a diminuição na captura de peixes no local.
Por ser uma região com grande concentração de riquezas, diariamente barcos, lanchas, iates e motos aquáticas “desfilam” perto da praia, o que é proibido. A lei exige que, durante a safra, as embarcações mantenham a distância de uma milha náutica da orla, cerca de 1,8 km, para não espantar os cardumes que se aproximam. Ele explica:
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A Marinha do Brasil, uma das entidades que seriam responsáveis por fiscalizar as violações descritas por Antônio José, disse em resposta que “as ocorrências envolvendo perturbação do sossego alheio e poluição sonora são situações que eventualmente podem estar relacionadas ao campo de atuação do Poder Público municipal, não sendo abarcadas nas atribuições da Autoridade Marítima”. Ou seja, o órgão estaria “empurrando” a responsabilidade para o município, que também não fiscaliza.
Por outro lado, o alargamento da Praia Central também torna ainda mais difícil o dia a dia dos pescadores: a areia extra adicionada ao local é mais grossa e foi retirada de regiões mais profundas do oceano. Isso, segundo Zé dos Santos, gerou dunas nas partes mais rasas da água, onde as redes utilizadas na pesca enroscam.
“É rede trancada, é rede rasgada… pra trancar é 2 minutos, pra arrumar vai uma semana. Sem contar os barcos de passeio que saem da Barra Sul. Por conta disso, os peixes não param aqui. Estamos há 23 dias esperando e não pegamos nenhuma tainha ainda. Por enquanto só há uma coisa que eu vou dizer: não temos tainha”
Antônio josé dos santos, pescador
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O alargamento da praia estaria relacionado também com a presença de raias na Praia Central de Balneário Camboriú, que buscam agora as regiões mais rasas (até 1,5 metro de profundidade) para se reproduzirem durante o verão. “Antigamente a gente gostava de pegar elas pra comer, porque era permitido, mas hoje é proibido. Vai chegar uma época em que ninguém mais vai ficar na praia de tanta raia que tem aqui. Vai matar gente também, porque elas têm o esporão”, complementa. Ouça:
O pescador lembra que outros fatores podem influenciar a safra, como os ventos. Zé comenta que são necessários três dias de ventos vindo do sul para que as tainhas viajem da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, até Balneário Camboriú. Por ser uma “praia de dentro”, também é importante o auxílio dos ventos de nordeste, sudeste e norte.
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No ano de 2023, conforme a prefeitura de Balneário Camboriú, cerca de 15 mil quilos de tainha foram pescados por 300 pescadores, que se espalharam em três ranchos na Praia Central e outros pontos nas praias agrestes. Os dados correspondem apenas pelo período oficial da safra, de 1º de maio a 31 de julho, contudo, conforme o membro do Rancho da Selma Laércio Demétrio, de 40 anos, o peixe é capturado até dezembro, quando ainda há muitos cardumes passando pela região.
“A gente pesca até o fim do ano, porque no dia 1º de janeiro começa o período de defeso, quando não é mais permitida a captura da tainha. De janeiro até maio, a gente recebe o Seguro Defeso, isso pra quem tem a carteirinha de pescador”, ressalta Laércio.
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Até a tarde de quarta-feira, 29, o Rancho da Selma ainda não havia pescado tainhas. Eles aguardam na Praia Central 24h por dia, desde o início da safra em 1º de maio.
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Autor: Luiz Lerner, estagiário – Jornalismo