Confira o relato do repórter da Rádio Menina Gerson Felippi acompanhou as negociações do BOPE com os detentos durante a rebelião que aconteceu na sexta-feira, 14, no Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí.
Eram por volta das 14h30 quando, avisado pela minha colega de redação, a repórter Maria Macedo, atendi a ligação:
— Está acontecendo uma rebelião na Canhanduba — dizia a aflita familiar de um detento.
Essa frase mudou todos os rumos de uma sexta-feira que, até aquele momento, seguia dentro da normalidade.
No trajeto de Balneário Camboriú até o Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, viaturas em alta velocidade do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), da Tropa de Choque e da Polícia Penal confirmavam a gravidade da situação.
Em busca de informações
Na rua de acesso à penitenciária, conhecida popularmente como presídio da Canhanduba, mães, namoradas e esposas e demais familiares de detentos aguardavam ansiosamente por informações.
— Cancelaram as visitas, muitas viaturas entraram ali dentro, ninguém nos conta o que está acontecendo. Preciso saber se meu filho está bem — reclamou a mãe de um dos detentos, vestindo uma camiseta branca e uma calça de moletom, roupas obrigatórias para quem pretende realizar uma visita.
Exatamente às 15h13, eu já estava quase no portão do presídio. Não era possível avançar, pois havia uma barreira de policiais penais. Aproximei-me, informei que era repórter da Rádio Menina e perguntei se poderia ir até a entrada para buscar mais informações. A resposta, como eu já esperava, foi negativa. Aproveitei para questionar se havia a confirmação se realmente estava em curso uma rebelião, mas, mais uma vez, a resposta foi não. Jornalista precisa ser teimoso, então insisti:
— Se não há rebelião, por que não posso passar?
— Está acontecendo uma situação — limitou-se a dizer o agente.

Fiquei por quase duas horas no entorno do presídio. A movimentação das forças de segurança era intensa, com viaturas policiais entrando a todo momento, além da presença do Corpo de Bombeiros e até de uma ambulância do SAMU. Durante esse período, uma nota oficial trouxe a confirmação:
“A Secretaria de Estado de Justiça e Reintegração Social (Sejuri) informa que um agente de controle foi rendido e mantido como refém por presos de uma cela na Penitenciária Masculina de Itajaí.”
Sim, estava acontecendo uma rebelião.
Enquanto aguardava um desfecho, os familiares me bombardeavam com informações sobre as condições enfrentadas pelos detentos dentro da Canhanduba.
— A alimentação vem azeda, a marmita é deixada no sol. Eles dizem que não tem água no bairro, mas tem, e eles desligam para eles. O kit de higiene era para durar 45 dias, mas dura, no máximo, 25. Muitas vezes, quando a gente vai visitar o interno, ele tem vergonha de levantar os braços para nos abraçar porque está com cheiro de suor — relatou a esposa de outro apenado.
Entre as entradas e saídas da penitenciária, saiu, de terno azul, numa moto da mesma cor, o advogado Luís Veiga, representante da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB de Balneário Camboriú. Naquele momento, eu não fazia ideia de que a entrevista que ele concedeu a mim e a outro repórter da NDTV teria um impacto tão grande dentro dos muros da Canhanduba.
— O que nos passaram através da direção e da superintendência é que se trata de um fato isolado, de uma única cela, a princípio de cinco internos que estão buscando a transferência para as comarcas de origem deles — afirmou Veiga.
Dentro dos muros da Canhanduba
A situação parecia estar controlada, então decidi retornar à redação, de onde seguiria acompanhando o caso. Mas, no caminho, recebi a ligação do comandante do BOPE, tenente-coronel Celso Mlanarczyki Júnior, dizendo que os presos envolvidos na rebelião solicitavam a presença da imprensa no local para liberar o agente de controle e encerrar o motim.
Por volta das 17h45, eu já estava com o microfone, tripé e celulares entrando no presídio. O clima de tensão pairava no ar. Os policiais me explicaram que eu poderia abordar, em minhas matérias, tudo que visse nos corredores da Canhanduba, mas que, por motivos de segurança, as imagens seriam analisadas. Não tive problemas em aceitar as condições; afinal, queria colaborar com a Polícia Militar e, de alguma forma, contribuir para um desfecho positivo da rebelião.
Leia mais sobre o caso: Conselho da Comunidade está envolvido nas negociações em rebelião na Penitenciária de Itajaí
NEGOCIAÇÕES COM O BOPE
Entrei na galeria C do presídio e fiquei surpreso com o que vi. As celas ficavam no andar inferior. A grade do corredor e uma barricada, montada pelos presos, separava a equipe do BOPE dos detentos que organizavam a rebelião. O agente refém estava dentro da cela. Nesse momento, eu estava na parte superior da galeria, junto com o negociador do BOPE e outros policiais, observando aquela ação entre as grades no piso.
Percebi que um dos presidiários conversava ao telefone com uma juíza. Fui informado de que era a juíza Clarice Ana Lanzarini. Não era possível entender todo o teor da conversa, mas era nítido que ele reclamava das condições do presídio. A ligação durou cerca de 30 minutos. Após o término, o negociador do BOPE falou:
— A imprensa está aqui.
Em momento algum temi pela minha segurança. Não fui exposto a qualquer risco, mas, mesmo assim, o sentimento de aflição ia crescendo. Não queria, de jeito algum, prejudicar a operação policial ou tomar alguma atitude que pudesse colocar fogo naquele barril de pólvora. O relógio do celular marcava 19h36 quando olhei para frente e fui chamado por um dos policiais, que fez um sinal para eu me aproximar.
— Qual é teu nome? — perguntou um dos apenados.
— Gerson, Gerson Felippi — respondi hesitante.
— Podem falar, ele é da imprensa, está gravando — disse o negociador do BOPE.
Ajoelhei-me no chão, posicionei o celular e o microfone nas grades e registrei o pedido do grupo responsável pela rebelião.
— O que tá na mídia é mentira! Tão falando que nóis quer ‘guentar’ a cadeia em troca de transferência, mas nada disso é verdade. Hoje nóis tá fazendo esse movimento aí em prol da alimentação estragada, da falta de água, da negligência com a nossa saúde, das nossas transferências, da nossa domiciliar e da escolta médica pra rua. É o seguinte: nóis vai liberar o refém aí e vai se entregar — disse o homem que parecia ser o líder do motim.
Olhando fixamente para a câmera, em meio à barricada semidesmontada, ele ainda disse:
— Nóis só quer que fale a verdade. Nóis tá ‘guentando’ a cadeia por uma situação de precariedade e não de bonde.
Naquele momento, não tive dúvidas: ele estava fazendo referência à entrevista do advogado Luís Veiga. Eles queriam desmentir a versão dele. Os detentos me perguntaram várias vezes se eu publicaria o vídeo. Respondi timidamente que sim, mesmo sabendo que dificilmente as imagens seriam liberadas.
O que parecia ser o fim da rebelião teve uma reviravolta. Novas exigências surgiram na negociação. Os apenados queriam falar ao vivo sobre suas reivindicações e passaram a exigir também a presença do advogado Luís Veiga no local.
Tensão instaurada novamente! Portas batendo, movimentação nos corredores e nenhuma rendição. Não consegui ouvir muito do que aconteceu a seguir, mas o excelente negociador do BOPE falava algo sobre “cada um cumprir sua parte” do que havia sido combinado. Eles tiveram a oportunidade de expor sua insatisfação e agora era hora de liberar o refém.
ENFIM, RENDIÇÃO
De dentro da Canhanduba, vi o dia virar noite pelas grades de ferro das janelas. Quando já passava das 21h, começou o processo de rendição. Mais uma vez, fui chamado para registrar a cena. O primeiro a ser liberado foi o agente de controle. Em seguida, os cinco detentos saíram da cela, sentaram-se no chão, colocaram os braços para trás, foram algemados e levados pelos policiais do BOPE. A rebelião, enfim, havia acabado, e o refém foi resgatado sem ferimentos.

A operação, que contou com 90 policiais — 50 militares, incluindo os do BOPE, e 40 penais —, além de equipes do Corpo de Bombeiros e do SAMU, durou cerca de oito horas e foi considerada um sucesso. Era nítida no rosto das forças de segurança a tranquilidade após um dia de muito estresse, mas com um desfecho positivo. O subcomandante da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Jofrey Santos da Silva, com um semblante tranquilo, ressaltou a importância de realizar uma ação que resguardasse a segurança de todos: do refém, dos policiais e até mesmo dos apenados.

Reivindicações dos presos
Com a situação controlada, me aproximei e pedi uma entrevista com a secretária de Estado de Justiça e Reintegração Social, Danielle Amorim Silva. Ela afirmou que os envolvidos no motim seriam transferidos e que iriam buscar mais detalhes sobre as demandas dos presos.
— Vamos fazer um levantamento, avaliar o que foi relatado e verificar as condições que levaram a esse tipo de reivindicação. Sabemos que foi um fato isolado, mas, mesmo assim, não deixaremos de verificar as reclamações dos internos.
Em entrevista coletiva, ela abordou de forma mais específica a questão da falta de água, citando que essa não é uma exclusividade do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, mas que atinge outros bairros de Itajaí, que também sofrem com o desabastecimento em alguns momentos.

Saí do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí sem nenhuma das imagens gravadas no interior do presídio, mas com as cenas registradas na memória. Alguns vão me criticar por expor os pedidos dos detentos, outros por exaltar o excelente trabalho da Polícia Militar, fundamental para garantir que a situação não tomasse maiores proporções. Também haverá aqueles que dirão que eu deveria ter publicado o vídeo na hora ou até mesmo alegarão uma suposta censura por ter que apagar o conteúdo.
Mas eu… eu só sei que dentro dos muros da Canhanduba foi exatamente assim!